Energia Solar ainda precisa de subsídios?
Brett Christophers é um professor de geografia na universidade de Uppsala (Suécia) e recentemente publicou um livro intitulado The Price Is Wrong: Why Capitalism Won’t Save the Planet (O Preço está errado: Porque o Capitalismo não salvará o Planeta). Na obra, Christophers argumenta que uma alteração nos preços para tornar os combustíveis fósseis mais caros ou tornando a energia limpa mais barata através de subsídios e inovação tecnológica é insuficiente para impulsionar a rápida implantação de energias alternativas.
Para o sueco, será necessário uma intervenção ainda mais pesada, incluindo garantias governamentais de preços ou mesmo propriedade pública da produção e distribuição de eletricidade. Apesar de não ser o cerne da obra, Christophers alega que é improvável que as energias renováveis solar e eólica combinadas consigam ir fundo no processo de descarbonização da economia global. “Se as energias renováveis são agora mais baratas, por que o apoio econômico do governo às tais modais ainda é tão importante?” Por qual razão, pergunta o sueco, “ainda estamos falhando na descarbonização da eletricidade?”
A resposta, argumenta ele, é o neoliberalismo. Christophers vê como um problema a crença nos mercados como a solução para todos os problemas políticos e, neste caso em específico, clima e energia. A ideia de que as energias renováveis não estão conseguindo descarbonizar o setor elétrico surpreende, especialmente depois de vários relatórios recentes sobre o rápido avanço das energias limpas ao redor do mundo. O problema, para Christophers, é que embora as energias renováveis estejam em franco crescimento em vários locais do globo, tal crescimento nem sequer acompanha o aumento mundial da procura por eletricidade.
É verdade que a geração eólica e solar cresceu muito na última década em termos absolutos, e a percentagem de eletricidade global gerada por combustíveis fósseis, principalmente carvão e gás, caiu um pouco ao longo do mesmo período: cerca de 68% em 2012 para 61% em 2022. Porém, a produção total de eletricidade cresceu quase 30% entre 2012 e 2022, e, como resultado, as emissões totais do setor energético continuaram a aumentar. Em outras palavras: por mais que os custos de produção de energia renovável tenham despencado, ainda sim vários governos criaram novas centrais termelétricas. Mas por que isso ocorreu?
Para Christophers, a resposta está no que ele acredita terem sido políticas equivocadas para liberalizar os mercados de eletricidade, que de uma maneira bem resumida, entende-se a criação de um mercado atacadista de energia, onde os produtores competem entre si para entregar uma energia mais barata ao consumidor final (algo que em termos práticos não acontece no Brasil). Tanto a energia solar quanto a eólica são intermitentes, o que significa que elas produzem eletricidade quando as condições climáticas permitem e não quando a demanda está alta. Como não é possível estocar vento ou luz solar, os produtores de energia renovável precisam vender sua eletricidade rapidamente e os preços nem sempre estão favoráveis. Isto significa que embora o custo de produção de eletricidade através da energia solar e eólica seja barato, em países onde o mercado energético foi muito desregulamentado, o valor de venda nem sempre é alto o suficiente para que os produtores privados consigam um retorno do seu investimento.
A análise de Christophers vai contra algo que muitos defensores e promotores de energias renováveis advogam. Por muitos anos, a ideia era a dissolução de monopólios verticalmente integrados para permitir que os produtores de energias renováveis possam entrar no mercado para competir com os geradores convencionais. Amory Lovins, presidente do Rocky Mountain Institute (think-tank voltado para energia renovável), escreveu em 2019 que era preciso "deixar a concorrência e a flexibilidade governarem o nosso sistema elétrico”.
O autor atribui o movimento das últimas três décadas de liberalização dos sistemas elétricos ao redor em todo o mundo a uma aliança entre os “poderes constituídos” neoliberais e os defensores das energias renováveis que acreditavam (erradamente, na opinião do geógrafo) que os modais limpos poderiam superar a concorrência dos combustíveis fósseis. Porém, vale lembrar que há outra razão pela qual os defensores das energias renováveis defendem tal movimento de liberalização do setor energético, que é a separação da geração, venda e distribuição de energia. Quando tal separação ocorre, o custo de produção de energia solar e eólica não fica conectado ao passivo de operar um sistema elétrico - e, principalmente, da responsabilidade de fornecer energia ao usuário final quando ele precisa, independente das condições climáticas.
Vale ressaltar que por mais problemático que os sistemas tradicionais monopolistas de eletricidade possam ser, em linhas gerais eles entregaram aquilo que se esperava: eletricidade a quem a quisesse, quando quisesse e a um preço razoável. É verdade que eles ficaram muito aquém do que esperávamos no combate às mudanças climáticas, porém, é inegável sua eficiência em colocar energia na casa, loja ou indústria do consumidor final. Assim, por que os geradores dos modais renováveis não deveriam se utilizar de tal sistema?
“Se as energias renováveis são agora mais baratas, por que é que o apoio econômico do governo às tais modais ainda é tão importante?” é a pergunta central de Christophers, e a resposta é: porque ela não é tão barata assim. Sim, é verdade que nunca foi tão barato fabricar e instalar turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos, mas pelo fato de só produzirem eletricidade durante algum tempo – e principalmente ao mesmo tempo – o valor de tal energia pode diminuir consideravelmente. Por mais que Christophers veja um problema nisso, seguramente o consumidor discorda. O autor chama isso de "canibalização" - já eu prefiro o termo "deflação".
O resultado desta dinâmica, segundo Christophers, é que ninguém pode ganhar dinheiro com energia solar e eólica sem subsídios públicos, apesar do seu baixo custo de instalação. Como consequência, se quisermos uma redução significativa das emissões de carbono do setor elétrico, é preciso entregar uma garantia de lucro aos produtores de energia renovável. Isto é mais ou menos o que a Alemanha fez no início dos anos 2000 com as tarifas Feed-In, em que o país pagava o dobro da energia gerada quando essas vinham de fontes renováveis.
O problema desta solução é que ela é cara. O consumidor alemão paga a maior tarifa energética do mundo atualmente - mais do que o dobro de um francês. Além disso, a transição da Alemanha para a energia solar e eólica só funcionou devido à abundância de gás russo barato. Em outras palavras, quando não ventava muito ou não batia sol, bastava que os alemães ligassem seus gasodutos. Agora que a torneira do Kremlin está fechada (devido à invasão da Ucrânia), a Alemanha enfrenta sérios problemas para manter a energia acessível não só para os consumidores, mas também para seu parque industrial – a espinha dorsal da economia do país.
Infelizmente, o melhor exemplo de um país que conseguiu uma energia barata e baixíssima emissão de carbono está totalmente ausente em toda a obra de Christophers, que é a França. É verdade que os franceses não liberalizaram o seu setor energético nos anos 80 e 90 como muitos países europeus o fizeram, mas eles não recorreram a tarifas subsidiadas como o autor defende, mas sim à energia nuclear - que não emite gases que causam o efeito estufa. Conforme já escrevi aqui em texto anterior, a melhor solução para a descarbonização até o momento é um mix de energia solar, eólica, hidrelétrica e nuclear. A ideia é relativamente simples: com condições climáticas favoráveis, abastecemos nosso consumo com a fotovoltaica e o vento e, caso tais condições não estejam propícias, que sejam ligados os reatores e as comportas das represas.
Conseguir o equilíbrio certo – entre energia eólica, solar, nuclear e outras fontes de energia com baixa emissão de carbono; entre sistemas de geração de baixo carbono e de baixo custo; e entre mercados privados, concorrência, inovação e infraestruturas públicas – não será fácil. Mas uma coisa deve ficar clara: com a nossa tecnologia atual, é impossível chegarmos a 100% de energia limpa apenas com eólica e fotovoltaica e não há mudança em preços ou na competição que irá alterar isso.
Texto adaptado de TED NORDHAUS publicado na revista FOREIGN POLICY